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Especial: Ceará Feito à Mão


Seu Barroso expõe suas peças no Mercado Central

Com um sorriso no rosto, Seu Barroso apresenta suas peças. São animais, pessoas e paisagens feitas nos mais diversos materiais. Cada um a seu tempo, com um tom de unicidade. Atualmente ele as vende no Mercado Central e diz que trabalha sozinho, mas possui pessoas que o ajudam no acabamento. “As peças mesmo, sou eu que faço”, relata.

Entalhes do mercado

As vantagens e os desafios de se trabalhar com o artesanato no Ceará

Feito peça a peça, entalhe a entalhe, o artesanato é hoje um segmento para o consumidor que busca qualidade e personalização. Um mercado que antes perdeu espaço para a industrialização, hoje beneficia-se dela. “Nunca o feito à mão foi tão procurado e valorizado. A globalização levou a uma padronização de baixa qualidade de acabamento e nada criativa”, é o que diz o doutor em Comunicação e Semiótica, Gilmar de Carvalho.

Segundo Carvalho, “as pessoas, de modo geral, têm nostalgia do toque da mão do artesão, que se evidencia, por exemplo, no nó da madeira ou em alguma falha que mostra que ela passou por mãos e guarda uma energia do artesão, do seu contato e enfrentamento com o material da peça”. Em contraponto, existe também um desconhecimento sobre a diversidade desse mercado.

Seu contato com artesanato se deu em uma viagem à Juazeiro do Norte, em 1986. “Confesso que tinha um certo preconceito em relação ao artesanato. Pensava sempre na linha de montagem das jangadinhas, nas cestas de palha que são vendidas nos mercados”, relata Carvalho. Na cidade, o doutor se deparou com uma realidade completamente diferente. “Fiquei encantado com o que vi. Continuo a afirmar, mais de trinta anos depois, que se tratava do artesanato mais criativo e de melhor qualidade do Brasil”.

De lá para cá, Carvalho enviesou-se sobre a temática e publicou diversos livros, como "Artes da Tradição” (2005), e “Tramas da Cultura” (2006), que apresentam, entre outros temas, a multiplicidade cultural e estética do artesanato cearense.

Essa diversidade de formas e materiais, característica do artesanato, pode ser vista nas peças criadas por Paulo Barroso Neto, que há mais de 30 anos, o utiliza como fonte de renda e prazer. Ele conta que sua relação com a profissão se deu pela necessidade financeira. “Passei por uma fase de dificuldade e tive que me virar como deu. Vi umas peças um dia, e fui tentando fazer. Primeiro com madeira, mas hoje faço esculturas de bronze, ferro, resina e vários outros tipos de artesanatos”.​

Com um sorriso no rosto, Seu Barroso apresenta suas peças. São animais, pessoas e paisagens feitas nos mais diversos materiais. Cada um a seu tempo, com um tom de unicidade. Atualmente ele as vende no Mercado Central e diz que trabalha sozinho, mas possui pessoas que o ajudam no acabamento. “As peças mesmo, sou eu que faço”, relata.

Apesar das dificuldades, Barroso diz que consegue “uma quantia razoável, dá para se manter só com o artesanato”. A precisão de detalhes nas peças vendidas a partir de R$20,00 denota os muitos anos de envolvimento com essa arte. “O artesanato aqui, e em todo lugar, é viável, desde que seja reconhecido e valorizado pela população”, conclui.

A ideia de lucrar com o artesanato surgiu, também, para Maria Helena, 57, que trabalha como artesã há mais de 20 anos. Em um pequeno quiosque no Mercado Central, comprado com dinheiro que juntou em feirinhas produzidas por ela mesma, Helena vende seus produtos feitos com coco. São pulseiras, bolsas e colares.

Autodidata, a artesã produz as peças junto aos filhos. “A gente botou uma oficina de artesanato em casa, compramos um motor e começamos a fazer, a trabalhar. Tudo em coco. Eu e meus filhos, a família toda”, conta Helena, que não só produz, mas também ensina. É do coco e do artesanato que tira seu sustento e o dos seus filhos.

Arte e ofício

A capacidade de desenvolvimento desse segmento é observada em pesquisas realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2014. De acordo com este relatório, o Brasil possui cerca de 8,5 milhões de artesãos e está presente como atividade econômica em 78% dos municípios brasileiros. Para além dos produtos, o comércio engloba também uma perspectiva cultural, promovendo a identidade e o turismo local.

Já um levantamento realizado pelo IBGE em 2012 revela que esse mercado movimentou R$ 50 bilhões só no Brasil naquele ano. Mas nem tudo é beleza no artesanato. Mesmo diante da contribuição financeira, o artesão ainda batalha por reconhecimento. Embora seja uma das ocupações mais antigas, remetendo ao período neolítico, a regulamentação da profissão chegou tarde aqui no país.

Em outubro de 2015, a Lei nº13.180 estabeleceu diretrizes para as políticas públicas de fomento à profissão, instituindo carteira profissional para a categoria e autorizando o poder Executivo a dar apoio profissional aos artesãos. No entanto, os pequenos artesãos, como Seu Barroso e Helena, reclamam sobre a dificuldade em obter o auxílio. “Os programas do governo são muito complicados. É muita burocracia para fazer empréstimo”, afirma Seu Barroso.

Nesse sentido, o governo oferece, de forma gratuita, o curso de artesanato por meio do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec). O curso visa a produção de trabalhos manuais, desde decorativos até utilitários, como panos de prato e recipientes.

Já o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), fornece meios para auxiliar na produção artesanal como forma de negócio, como o Projeto Brasil Original, que monta lojas temporárias para conquistar novos públicos. Além disso, o Sebrae oferece uma série de cursos que beneficiam microempreendedores, com lições sobre marketing e aumento da produção. Com essas ações, já foram capacitados cerca de 90 mil artesãos desde 2002, em 16,6% dos municípios brasileiros.

Cultura local

“Valorização do movimento local” é uma das ideias defendidas pela designer Celina Hissa, que há 11 anos criou, em Fortaleza, a marca Catarina Mina. De lá para cá, o projeto cresceu e o mercado também. Hoje a marca possui pontos de vendas não só no Brasil, mas também nos Estados Unidos, Reino Unido e Porto Rico. Sem perder a cultura do artesanato cearense, a empresa continua tendo o Ceará como base de inspiração e trabalho de produção.

Especializada na criação e no desenvolvimento de bolsas artesanais, a marca une a “tradição do artesanato à sofisticação do luxo”, tendo como ponto forte o apego pela visão sustentável no mercado da moda, o que já lhe rendeu alguns prêmios, como o EcoEra (2015) na categoria pessoas e o Brasil Design (2016). As peças, em crochê, são produzidas por dois grupos. Um no Morro Santa Terezinha, zona leste de Fortaleza e outro em Itaitinga, Região Metropolitana da cidade.

Francisca Aldenice de Souza Félix, 57, líder do grupo em Itaitinga, diz que a associação de artesanato teve início devido ao grande número de pessoas que trabalhavam nessa área, com dificuldades para produzir e comercializar. Em 2000, surgiu o grupo especializado em crochê. “De forma bem organizada, pegamos os trabalhos e dividimos de acordo com a função de cada pessoa”, relata a crocheteira, que desde os 13 anos já trabalhava com os fios, um legado passado de mãe para filha.

Atualmente o grupo é composto por 50 pessoas, destas, 45 são mulheres. Aldenice afirma que trabalha cerca de 10 horas por dia, mas não vive apenas das peças, também exercendo a profissão de agricultora. Quando questionada sobre a importância do artesanato, ela diz que é “enorme”. “Além do meu salário, que tiro dele, a satisfação de ver cada trabalho concluído é grande”.

Mas o que é realidade para Aldenice não faz parte do cotidiano de boa parte dos artesãos brasileiros. Entre as empresas comerciais, o artesanato, ao lado de lojas de bijuterias e relojoarias, é o terceiro segmento com a maior proporção de não-assalariados, com 47,4% da mão de obra nessa situação.

Em busca de sair deste cenário, muitos artesãos, como o grupo de Aldenice, recorrem a formação de comunidades artesãs, uma iniciativa que geralmente precisa de um subsídio inicial. No caso do grupo de Itaitinga, esse auxílio partiu de alguns programas governamentais. “Quando formamos a associação, tivemos uma grande assistência técnica da parte deles (Sebrae), como também da Ceart (Central de Artesanato do Ceará) e principalmente do Banco do Nordeste”, conta a artesã.

A Central de Artesanato do Ceará (Ceart) é um importante incentivador desse ramo. Com sete lojas espalhadas pelo Estado, sendo cinco na Capital, uma em Guaramiranga e uma em Canoa Quebrada, a Central oferece o espaço para o comércio dos produtos de seus artesãos cadastrados, que já são cerca de 42 mil em todo o Estado.

Além disso, a Ceart realiza ações de capacitação em gestão empreendedora e tecnológica para ajudar no desenvolvimento de novos produtos; viabilização da participação dos artesãos em feiras e eventos; oficinas para capacitação e organização das produções, com o intuito de aumentar a comercialização e a geração de renda no setor do artesanato no Ceará.

Iniciativas como as do grupo de Aldenice e da Central de Artesanato, fortalecem, além do mercado de arte no Ceará, a tradição do artesanato e a cultura do local onde os materiais são produzidos. Em uma cidade que cada vez mais caminha para o ramo industrial, com os produtos da globalização, o feito a mão representa a valorização de um estilo próprio e ganha ares de exclusividade.

Artesanato digital

Em uma Era dominada pela tecnologia, os artesãos passam a reinventar as formas de vender e promover seus produtos

Em um mundo onde quase tudo é produzido de forma massiva, o artesão se adapta, cria exclusividade e pensa em novas formas de vender. É o caso de Meiriane do Nascimento, criadora e proprietária da marca MeNah, que vende acessórios artesanais utilizando a internet como principal veículo. Meiriane tem 30 anos e é formada em Design de Moda pela UFC. Criou a MeNah após terminar o curso em 20xx, mas sua relação com o artesanato começou bem antes.

“Eu via muito a minha mãe e minha tia por parte de pai, minha avó também, fazerem crochê, tricô. Dali, eu já achava algo bacana, fazia algumas peças para mim mesma”, relata. No entanto, Meiriane conta que ainda demorou certo tempo para a MeNah estabelecer seu estilo próprio. “Na faculdade em si, não havia meu público. Aí tive que ir mudando e moldando meu produto até achar um conceito. Coloquei o conceito de peça única, artesanal, diferente e com referência afro”, declara.

Segundo a designer, a área artesanal está ganhando muito espaço na cidade. “Há um movimento autoral crescente em Fortaleza, essa área está muito ativa e pulsante na cidade e sendo muito visada. Até grandes marcas querem participar de feiras de economia criativa. Então é um mercado que só tende a crescer. Tem muitos nichos ainda não atendidos”.

As peças de Meiriane são produzidas com cordas, linhas de algodão, lã, colas e outros itens para ajudar a criar texturas. Ela ressalta que “as peças são inspiradas sempre em algo que seja leve, que sirva para todos os corpos, com muita cor e combinações únicas”. Os preços de seus produtos variam de R$10,00 a R$80,00, com um ponto de vendas na Colabora, um loja colaborativa localizada no bairro Benfica, em Fortaleza. Mas a divulgação é realizada via internet.

Por meio de redes sociais, como o Facebook e o Instagram, que já conta com mais de 4 mil seguidores, a divulgação é feita online. Meiriane utiliza, também, da parceria com digital influencers e vendas presenciais em feiras e eventos de artesanato. Após uma pausa, ela fala que está retomando planos de aumentar o estoque, abrir uma loja virtual para expandir seu mercado e, futuramente, atingir a meta de exportar seus produtos.

Mas o que é meta para Meiriane, já é realidade para Ethel Whitehurst, artesã e proprietária da loja Yamor da Ethel, que está no mercado desde 1971. Seus produtos começaram a ser exportados para os Estados Unidos em 1980, e hoje possui pontos de venda em países como França, Itália, Panamá, Chile, Argentina, Uruguai e Colômbia.

Natural do Rio de Janeiro, Ethel chegou ao Ceará com sua mãe, em 1969, aos 15 anos de idade. Seu contato com o artesanato se deu a partir daí, ajudando no negócio da mãe, que fazia vestidos e camisolas artesanais para noivas junto a um grupo de bordadeiras.

Aos 17 anos, passou a produzir sozinha camisolas infantis e a distribuir nas lojas da cidade, logo passou a contratar mais pessoas auxiliarem em sua produção. “Nessa época nós não tínhamos essa visão que os micros, os médios empresários têm hoje, que é o Sebrae, o Senac, todas essas instituições que colaboram muito na formação do empreendedor. Então, foi muito de intuição, muito de perseverança e de muito trabalho que nós conseguimos crescer o nosso negócio”, relata.

A empresária explica que sua empresa começou em casa, mas que devido à grande quantidade de pedidos, foi preciso abrir uma loja. Para ela, a dificuldade não foi vender seu produto, mas sim, atender à demanda. “A primeira Fenit (Feira Nacional da Indústria Têxtil) em São Paulo, eu fui participar com um grupo de pessoas daqui. E foi muito interessante, porque aí pessoas de outros estados que tinham lojas passaram a encomendar os nossos produtos”, Ethel conta.

A empresária também colaborou com um projeto ano da ex-primeira dama governo do Estado, Renata Jereissati, que tinha o objetivo de melhorar a vida e os produtos dos artesãos do interior do Ceará, viajando para mais de 50 municípios. No período, Ethel dava orientações sobre melhores formas de comercializar suas obras, como produzir designs e cores diferentes, e como fazer a padronização de tamanhos.

Após o término do projeto, a empresária passou a dar consultoria para associações e grupos de artesãos em outros estados do Nordeste. “O artesão deve crescer junto com a empresa. É muito importante para quem acredita no negócio do artesanato valorizar o trabalho do artesão”, ela afirma.

Agulha e linha

Hoje, a Yamor da Ethel produz peças para casa, como toalhas de mesa, colchas, enxovais para quartos de bebês e vestidos para crianças de até 6 anos, e busca inovar sempre na produção de seus bordados, que são vendidos para diversos países, por meio de sua loja virtual, e em sua loja física.

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2014, aponta que trabalhos com bordado e materiais recicláveis são as principais atividades artesanais desenvolvidas em Fortaleza, levando em consideração a maior quantidade de produções. Segundo Ethel, o Nordeste é um dos poucos locais que produzem bordados tão bonitos no mundo e a isso é devida a sua popularidade no exterior.

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